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O desprazer é seu

"Com o tempo que está, temos de aceitar o sol que nos é oferecido, à temperatura com que nos chega. Para almoçarmos cá fora, numa esplanada, a ver o mar, temos de agasalhar-nos e aturar uma certa frescura. O vento, tal como no Verão, refresca, por muito frescos que já estejamos. O amor ajuda. O medo de apanhar uma gripe ajuda. A sopa ajuda. De resto, nada mais ajuda.

Ao tentar ganhar uma atitude condescendente para com o frio, observam-se outros casais com expectativas mais elevadas. Em Janeiro, à beira-mar, nas praias de Colares, são tão exigentes como se fosse Junho no Algarve.

Anteontem, num dia frio e de vento, ouvi um homem, levantando-se de uma mesa à frente da nossa, dizer à mulher que havia de almoçar numa esplanada onde não houvesse vento nem estivesse frio: um objectivo impossível naquelas redondezas, incluindo todas as europeias.

Pensei logo no que já tantos têm dito: nós somos os autores, através das escolhas que escolhemos fazer, das desilusões que nos esperam. Fazemos o nó e construímos o cadafalso (com a tónica em falso) onde acabamos sempre por nos enforcarmos.

Fabricamos a nossa própria infelicidade. Armamo-nos em exigentes e orgulhamo-nos disso, por muito que isso nos custe: no prazer do qual abdicámos e no sofrimento de que nos recusámos a fugir.

O segredo não é apenas não querer o que não é possível. É aceitar que já é bom poder aceitar o que é possível. É uma pessoa resignar-se a não ser surpreendida."


Miguel Esteves Cardoso, “Público”, 20 de Janeiro de 2011

Comentários

  1. Tal como eu disse. Não os perdi. Ganhei. Em todos os sentidos.

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  2. Valeu a pena esperar!!!
    Moral da história: Viver intensamente cada momento com prazer!!!
    :)

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  3. Sim tens razão, vale a pena perder dois minutinhos a ler o texto :)

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  4. Perdi.me completamente.
    Obrigada por partilhares esta beleza conosco :)

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  5. Sabes que o que o MEC aqui descreve é mesmo um dos mecanismos por trás de algumas depressões? Estabelecer objectivos que à partida já são impossíveis (por exemplo marcar férias dois dias antes) e depois ficar triste por nada bater certo. A questão é que para muitas pessoas isto não é algo de que se apercebam. É uma forma de agir que depois os leva à depressão. E é aqui que se deve actuar e não só nos sintomas. Mas estou a ser um bocadinho chata não estou? ;)

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  6. Ora nem mais! Às vezes queremos sempre isto e aquilo e passamos a vida a queixar-nos, quando na verdade o que interessa é termos ao nosso lado aqueles de quem gostamos :)

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  7. Não podia estar mais de acordo com esse texto.

    Bjs

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  8. Gostei imenso. Ele escreve sempre tão bem.

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  9. Gostei de: ¨O amor ajuda. O medo de apanhar uma gripe ajuda. A sopa ajuda. De resto, nada mais ajuda.¨

    O amor, o medo e a sopa. O amor nutre alma, o medo protege e a sopa alimenta o corpo.

    Discordo de: ¨O segredo não é apenas não querer o que não é possível. É aceitar que já é bom poder aceitar o que é possível. É uma pessoa resignar-se a não ser surpreendida."

    Resignar-se nunca é bom, quero mais... quero o impossivel pois o possível já o tenho.

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  10. Aquilo que sempre disse, não criar expectativas exacerbadas para não sucumbir ao gosto amargo da desilusão...

    Devemos ser pragmáticos e saber retirar prazer de tudo aquilo que se encontra ao nosso alcance, de tudo o que nos é possível fazer.
    Querer o impossível ajuda-nos a sonhar, mexer, suar, lutar, etc...mas o final é sempre o mesmo. A ansiedade e a frustração.

    Porque se o impossível fosse possível, jamais poderia ser chamado de impossível.

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  11. Sou um leitor habitual do Público e não tinha apanhado este texto dele! Mas adorei! Faz bem ler isto! *

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  12. "É aceitar que já é bom poder aceitar o que é possível"

    Quem dera a muitos poder aceitar o que é possível...

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  13. excelente! posso roubar?

    Quer dizer, já roubei com link

    :)

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